Resgatado no Caribe venezuelano em setembro de 2022, Tico, o peixe-boi de origem cearense, espera por providências do Governo Federal para voltar ao Brasil.
Após sua soltura na praia de Peroba, município de Icapuí, no extremo leste cearense, o peixe-boi-marinho de nome Tico, que passou sete anos em processo reabilitação aos cuidados da ONG Aquasis, iniciou uma jornada sem precedentes rumo à águas caribenhas quando foi finalmente interceptado por equipes do governo venezuelando e hoje, encontra-se no Parque Zoológico y Botánico Bararida esperando uma posição do governo brasileiro para formalização dos trâmites, para o seu retorno.
Histórico de resgate e reabilitação
O peixe-boi-marinho (Trichechus manatus) de nome Tico foi resgatado pela equipe da ONG Aquasis em 15 de outubro de 2014, quando ainda era um recém-nascido, após encalhar numa praia no litoral do Ceará, nordeste do Brasil. Tico recebeu os primeiros cuidados e foi reabilitado no Centro de Reabilitação de Mamíferos Marinhos da Aquasis, onde ficou até dezembro de 2020, quando estava com sete anos de idade.
Translocação e aclimatação
Em dezembro de 2020, Tico foi transferido para o cativeiro de aclimatação da Aquasis, localizado no mar da Praia de Peroba, município de Icapuí, litoral leste do Ceará. Nesse recinto Tico passou a ter contato com o ambiente natural para que se adaptasse antes de ser solto.
Soltura, Monitoramento e Deslocamento Errático
Tico ficou até o dia 06 de julho de 2022 no cativeiro de aclimatação, data em na qual foi solto. Antes da soltura, foi acoplado ao animal um equipamento transmissor de sinal de rádio e de GPS para que a equipe de monitoramento pudesse acompanhar seu deslocamento.
Tico permaneceu em Icapuí durante os dois primeiros dias. No entanto, a partir do terceiro dia, iniciou o deslocamento para oeste do estado do Ceará, e alguns dias depois atingiu águas profundas, o que preocupou a equipe e mostrou a necessidade de resgatá-lo, já que peixes-bois são animais que vivem em águas rasas. Nessa distância da costa, Tico foi exposto às fortes correntes marinhas oceânicas, o que dificultou o seu resgate.
A equipe seguiu por terra desde o Ceará até o estado do Amapá tentando viabilizar a operação, mas o deslocamento era muito rápido e numa distância muito grande, o que tornou impossível a realização do seu resgate. Tico atingiu as águas internacionais da Guiana Francesa no início de agosto, o que limitou ainda mais a ação da Aquasis.
A partir desse momento, acreditava-se que Tico pudesse estar morto ou que o equipamento pudesse não estar mais acoplado ao animal, sendo as coordenadas recebidas somente do transmissor à deriva. Apesar disto, a equipe continuou monitorando as coordenadas emitidas pelo equipamento e, aproximadamente 45 dias após sua soltura em Icapuí, a Aquasis recebeu sinal de GPS próximo a Ilha de Tobago, em Trinidad e Tobago. Pesquisadores do país foram contactados e auxiliaram na verificação do equipamento após o repasse das coordenadas geográficas. De forma supreendente, os pesquisadores do local confirmaram que o Tico estava vivo na costa da ilha de Tobago.
A equipe da Aquasis embarcou para o país para tentar avaliá-lo e mobilizar o seu resgate, porém Tico deixou a ilha antes e seguiu se deslocando em direção ao Caribe venezuelano. A Aquasis entrou em contato com as autoridades da Venezuela, que se prontificaram a tentar captura Tico, conseguindo resgatá-lo no dia 5 de setembro de 2022. Tico foi mantido em quarentena num aquário particular e depois foi transferido para o Parque Zoológico y Botánico Bararida, na cidade de Barquisimeto.
O deslocamento de mais de 5 mil quilômetros realizado por Tico é provavelmente o mais longo já registrado para um peixe-boi, sendo que, em alguns pontos, ele se deslocou a mais de 500 km da costa. Esse movimento é considerado errático e mostra uma desorientação, visto que Tico continuava nadando e não parou para explorar fontes de comida e de água doce, possivelmente inexistentes no percurso devido à distância da costa.
De forma bastante clara e embasada tecnicamente, a equipe da Aquasis demonstrou que a melhor alternativa para Tico seria o seu retorno para o Brasil, para que fosse feita uma nova tentativa de adaptação ao ambiente natural e à soltura. Dessa forma Tico contribuirá de forma efetiva para o aumento da população de peixes-bois e reforçará as estratégias de conservação dessa espécie criticamente ameaçada de extinção. Outros especialistas em sirênios do Brasil se mostraram favoráveis a essa iniciativa. No entanto, como Tico está em território estrangeiro, é necessária uma licença de exportação emitida pelo IBAMA, que é acompanhada de vários documentos, incluindo a concordância formal do governo venezuelano.
Desfecho
Logo que Tico chegou à Venezuela, a Aquasis se mobilizou para iniciar os trâmites para a sua repatriação, o que incluiu tratativas com ambos os governos. Especialistas em mamíferos aquáticos do ICMBio, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, solicitaram uma consulta a especialistas internacionais em sirênios para auxiliar na tomada de decisão sobre o destino de Tico.
Somente em março de 2023, houve reunião entre os órgãos do governo federal, dentre eles a Coordenação Geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Marinhos e Costeiros (CGMAC/IBAMA) e o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos (ICMBio/CMA), a Petrobras e a Aquasis, quando foi deliberado um desfecho favorável ao retorno do Tico, sendo consensuado entre CMA/ICMBio e IBAMA que a medida técnica mais adequada para o caso do Tico seria o retorno do animal ao Brasil para um nova tentativa de soltura.
Apesar do posicionamento favorável de órgãos ligados ao ICMBio e IBAMA, é necessário que o MMA solicite o contato com o governo da Venezuela por meio do Ministério de Relações Exteriores (MRE). Até o momento, não houve avanço interno no MMA para conhecimento do MRE e encaminhamento da questão.
Diante dessa situação, o processo de importação do Tico está paralisado. O animal já está há oito meses em cativeiro na Venezuela, com chances cada vez menores de conseguir voltar à natureza e cumprir suas funções ecológicas. Tico completará nove anos em outubro de 2023. Os protocolos do ICMBio recomendam a soltura de animais até os 10 anos de idade. O tempo para que Tico seja livre novamente está se esgotando depressa. Enquanto isso, as autoridades brasileiras continuam vendo esse tempo passar sem nada fazer.
Entretanto, até o momento, não houve avanço entre os órgãos responsáveis e as esferas do governo federal. Tico está a 08 meses sob os cuidados venezuelanos e, apesar dos esforços da Aquasis para contribuir com o retorno do Tico, somente as instâncias governamentais brasileiras podem contactar o governo venezuelano para que os trâmites necessários sejam acordados e providenciados.
Este relato é um pedido de ajuda para que o caso do Tico ganhe visibilidade e chegue até as esferas governamentais federais, as únicas que podem dialogar com o governo venezuelano a fim de que seja iniciado o processo para trazermos Tico de volta ao Brasil.
Para mais informações, entre em contato: faleconosco@aquasis.org
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